16
“O milagre é o filho predileto da fé”.
Johann Goethe.
Se eu estivesse escrevendo um
livro para ganhar dinheiro, eu teria considerável acervo de histórias
relacionadas com as experiências pelas quais passei, que me serviriam de
material para “encher linguiça”, expressão usada no meio literário que
significa encher de textos a obra para dar volume à mesma e, por aí, justificar
o seu preço. Vez que a minha intenção é divulgar, sem remuneração alguma, o
caminho que percorri até chegar aos degraus que me levaram à conversão ao
evangelismo, ou seja, à crença inabalável de que a salvação da alma só é
possível mediante o caminho ensinado por Jesus Cristo, pularei as demais etapas
pelas quais passei, para entrar logo nos degraus que me levaram àquele
conhecimento que eu vinha buscando por tantos anos, conhecimento este que, uma
vez alcançado ainda que parcialmente, me levou aos braços de Jesus. Neste
capítulo, portanto, começo a narrar sobre os dois primeiros degraus. Vejamos como isso aconteceu:
Michele, minha esposa, que já
tinha alguma orientação cristã na sua formação, aceitou imediatamente o convite
para visitar a igreja que frequentamos hoje, convite que veio da parte dos
jovens que, periodicamente, vinham ao abrigo para menores em que Michele e eu
atuávamos como pais sociais. Esses jovens faziam parte do ministério (entenda o
termo ministério como missão) denominado Ide (imperativo do verbo IR), que, em
cumprimento à determinação de Jesus (“Ide a todo
mundo e pregai o Evangelho a toda criatura"), consistia
em visitar entidades de amparo a pessoas carentes para levar a estas a Palavra
de Deus.
Michele, na função de
Mãe-Social, e eu, como ajudante, trabalhávamos numa dessas entidade, a Aldeia
da Criança Alegre, que funcionava na localidade de Barroso, em Nova Friburgo, e
cuja finalidade era a de dar atendimento a menores abandonados; e me intrigava
o fato desses jovens consumirem as suas tardes de domingo, envolvidos nessa
missão de evangelização naquela instituição, quando poderiam estar usufruindo
dos prazeres comuns que o mundo oferece às pessoas daquela faixa etária. Em vez
disso, vinham eles àquele sítio distante, para evangelizar os adolescentes,
sendo que alguns destes com passagens em ocorrências policiais. O trabalho que os
nossos visitantes desenvolviam de tentar fazer despertar nos jovens o desejo de
conhecer Jesus parecia-me uma consumada perda de tempo, porque a formação
daqueles menores, vindos de famílias desmanteladas, filhos de pais cumprindo
penas em prisões, de mães alcoólatras, e muitos deles órfãos completos, em nada
podia colaborar, segundo a minha precipitada opinião, para alguma mudança
positiva em suas mentes. Em certa ocasião, cheguei mesmo a dizer a alguns
daqueles visitantes tão altruístas que eu muito os admirava por causa da fé que
eles tinham no sucesso daquele trabalho que tinha tanto de cansativo, quanto de
inútil. A resposta deles vinha na forma de um sorriso compreensivo.
Feito o convite
pelos jovens para visitarmos a igreja deles, convite que recebi com uma falsa
promessa de “Iremos lá sim”, foi o mesmo bem recebido por Michele, e, porque
ela não sabe guiar veículos, a minha falsa promessa do “Iremos lá” acabou se
concretizando, não apenas uma vez apenas, mas seguidas vezes dominicalmente, posto
que passei a levá-la aos cultos. Todavia, eu não adentrava no templo. Ficava do
lado de fora, ouvindo o rádio do carro ou, enquanto transcorria o culto,
caminhando a esmo pelas redondezas, em busca de um recanto sossegado onde
pudesse degustar uma taça de vinho e fumar.
Num certo
domingo, no entanto, tendo eu permanecido dentro do carro e bem perto do
templo, ouvi uma pregação de um pastor que pregava, naquele momento, dentro da
igreja; e, no que ele falava, parecia estar se dirigindo a mim. O pregador
falava de buscas, de mistérios, de persistência, de coisas que faziam parte da
minha existência. Movido pela curiosidade, decidi entrar no chamado salão paroquial
para ver quem era aquele pregador, e foi desse modo que passei a frequentar os
cultos com a minha esposa e, de sobejo, livrando-a daquela desconfortável
situação de, na condição de casada, participar dos cultos, desacompanhada.
Antes de entrar no tema deste
capítulo, acrescento aqui uma passagem pitoresca apenas para mostrar ao leitor
o quanto eu estava distante do caminho que hoje estou percorrendo.
Durante os cultos, eu ficava
ali, sentado ao lado de Michele, mas sem participação alguma, sequer nos
cânticos — desses, ainda que eu quisesse, nem poderia participar, porque,
embora as letras fossem exibidas na tela posicionada sobre o palco, eu não
sabia a musicalidade de nenhum — tampouco eu copiava dos irmãos a postura de
ficar de pé, solicitada pelo pastor celebrante; ou de dizer palavras
edificantes ao vizinho da cadeira ao lado. Porque aprecio o estilo literário do
apóstolo João, eu passava o tempo todo do culto, lendo as suas letras na Bíblia
da esposa, assim como quem lê uma narrativa qualquer. Embora eu não professasse religião alguma
cristã, muitas vezes, em determinados caminhos que percorri, me vi obrigado a
ler certas partes da Biblia; de modo que a Obra não me era de todo desconhecida,
e os textos de João me atraíam por conta do seu jeito de escrever.
Voltando à minha postura
indisciplinada dentro do templo durante o culto, desobediente às exortações do
pastor, acontecia de, quando os fiéis postavam-se de pé, eu, por permanecer
sentado, ficava oculto; e quando eles se sentavam, eu ficava igual a todos. Por
conseguinte, a minha postura confortável de permanecer sentado o tempo todo não
era notada, senão pelos poucos vizinhos de cadeira.
Numa dessas
ocasiões, todavia, vi-me em situação bem embaraçosa: foi quando, por
solicitação do pastor palestrante, todos se puseram de joelhos no piso, com os
braços apoiados sobre os respectivos tampos das cadeiras, e, portanto, de
costas para o palco, para orarem nessa postura de submissão religiosa. Em tal
situação, eu, que permanecia sentado e mantido nessa posição, fiquei totalmente
exposto, projetado no meio daquela multidão de cabeças flectidas, e de tal modo
que, segundo imaginação exagerada minha, se algum visitante leigo chegasse ao
salão naquele momento, pensaria que os fiéis estavam prostrados em reverência a
mim, e não a Deus, vez que, no meio daquele mar de centenas de cabeças, eu era
o único insubmisso na destacada posição de sentado. Cheguei a cogitar de também
pôr-me de joelho, mas, considerando o tempo que havia transcorrido desde o
instante em que os fiéis se ajoelharam até o instante em que, quase em pânico,
me dei conta da minha situação embaraçosa, eu, se me ajoelhasse, ficaria
parecendo um adulto acriançado, que tenta dissimular coisa que já estava bem
patente: a de que eu era uma espécie de estranho no ninho. Entre passar por
crente dissimulado e expectador distraído ou visitante desinformado, preferi
essa última opção, mas me arrependi logo, porque a oração, de duração medida no
relógio da minha ansiedade, durou o que me pareceu uma eternidade.
Não tendo,
portanto, como escapar da desconfortável exposição, enterrei a cara no texto
evangélico, assim como quem sofre de alto grau de miopia, e assim permaneci, torcendo
para aquela oração do pastor terminar logo. Ainda que eu soubesse orar,
considerando que a minha oração visava apenas conforto e ocultação pessoal,
enquanto que a dos crentes ajoelhados tinha finalidade infinitamente mais
nobre, não havia dúvida alguma de que a minha arenga religiosa haveria de ser
solenemente ignorada por Deus. O que me salvou ali, ainda que parcialmente, de
um vexame maior, foi a Bíblia, onde consegui ocultar a minha ruborizada cara
Para evitar o
risco de me meter em futuros micos parecidos, cheguei a cogitar de não mais
acompanhar a esposa nos cultos. Levá-la-ia à igreja, mas não passaria da porta,
como fazia anteriormente. Ainda que eu não fosse dado a bebedeiras, procuraria,
como fazia antes, um barzinho aconchegante e ficaria ali a bebericar um vinho
barato em meio às baforadas do venenoso tabaco, do qual, graças a Deus, estou
livre hoje. Ali, de olhos pregados numa TV, eu permaneceria enquanto o culto
transcorria. Contudo, antevendo o semblante de tristeza da esposa ante essa
minha decisão, vez que se sentia realizada só em eu acompanhá-la nos cultos,
desisti dessa retirada e permaneci fazendo-lhe companhia. Preocupado com a eventualidade
de o pastor repetir aquela manobra de pôr os fiéis naquela posição que me deixou
religiosamente nu em público, passei a obedecer às exortações do pregador a
ficar de pé, ou sentado ou mesmo ajoelhado, ainda que esta última raramente fosse
solicitada. E foi assim que, deixando para ler os textos de João em casa,
aprendi muito, ouvindo as pregações, onde muitas das minhas dúvidas foram
resolvidas.
|
Cap. 7 — Os Dois Primeiros Degraus: Duas Horas sem Fumar e a Cura da Dudinha — Parte 1 de 2
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Digite abaixo a sua mensagem para o autor ANSELMO CORDEIRO DE OLIVEIRA, pseudônimo literário NET 7 MARES. Caso queira resposta, assine com o seu endereço de e-mail. O seu texto e endereço de e-mail serão lidos pelo autor, mas, para evitar que o BLOGGER publique automaticamente o seu endereço de e-mail no blog, o seu texto não será aprovado, mas você receberá resposta.