Cap 4 — ESPIRITISMO — Parte 1 de 2

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“As frivolidades cativam os espíritos levianos”.

Sobre o que está escrito neste capítulo no que se refere às circunstâncias em que me envolvi com o baixo espiritismo, acredito não ser novidade alguma para a maioria dos leitores o quanto essa corrente de crença atrai as pessoas. Por isso, tomei a iniciativa de incluir o tema na obra, não apenas porque fez parte da minha caminhada, mas também para alertar as pessoas sobre o risco representado por uma das armadilhas que Satanás usa para aprisionar pessoas e levá-las à perdição espiritual: a arma do chamado baixo espiritismo. Vamos então à narrativa:
            Fazia já algum tempo, dois ou três meses, que eu não visitava a minha madrinha; por isso, numa certa tarde, quase ao anoitecer, cheguei à sua morada. Como eu era o que se chama de gente da casa, entrei pelo quintal com um “Olá! Estou chegando” que gritei lá do portão e, ao abrir a porta da sala, deparei com um quadro surpreendente: sobre o piso, forrado com uma espécie de colcha enfeitada com caracteres místicos, uma mulher estava sentada à moda indígena, daquele jeito de pernas abertas e cruzadas. À sua volta, algumas pessoas, que presumi serem da vizinhança, conversavam com a tal mulher.
            Assim que aquela figura me viu sob o umbral da porta, saiu-me com esta:
            — Boa noite, marinheiro!
            Respondi à saudação e, como não vi a minha madrinha entre aquelas pessoas, fui direto à cozinha, onde a encontrei, remexendo em algum petisco no fogão. Depois dos beijos de saudação, fui logo perguntando:
            — Madrinha, a senhora falou sobre mim com essa mulher que está lá na sala, sentada no chão?
            — Não — e, sorrindo com o meu espanto, vez que, dali da sua cozinha, ela tinha ouvido a saudação da tal mulher — se ela sabe que você é marinheiro, não fui eu que o disse.
            Em seguida, ainda na cozinha, madrinha passou a contar-me sobre a aquela criatura estranha. Disse que ela estava ocupando, por locação, um quarto que havia nos fundos do quintal, e que havia lhe pedido para, vez ou outra, usar a sala da casa, que oferecia maior espaço, onde ela pretendia receber pessoas que vinham consultar uma entidade espírita que baixava nela. Para prevenir a curiosidade que possa levar determinados leitores a buscar algum tipo de aproximação com tal personagem, não vou declinar aqui o nome da tal entidade.  Apenas para facilitar-me no exercício da escrita, passarei a chamá-lo de Esp, que não tem significado algum.
            Segundo a madrinha reportou-me, a transação com o Esp acontecia da seguinte forma: se a pessoa desejasse um bem material qualquer ou um acontecimento que lhe favorecesse, oferecia-lhe ou prometia-lhe um objeto de valor ou até mesmo dinheiro, e ele a atendia.
            Impressionado com a adivinhação da mulher sobre a minha profissão, posto que eu não apresentava nada em mim que me identificasse como homem do mar, decidi:
            — Quero ver isso de perto — eu disse enquanto saía em direção à sala, onde a mulher dava o seu “show”.
            Acerquei-me do grupo e fiquei ali, assistindo aos diálogos entre a tal entidade Esp e as pessoas. As consultas corriam assim, em aberto, com todos ouvindo tudo, e alguns dos consulentes nem se envergonhavam de pedir o mal contra terceiros, tais como produzi-lo em ex-cônjuges, colegas de trabalho, vizinhos, etc. Foi então que, em certo momento, a coisa dirigiu-se a mim:
            — E você, marujo, não vai trocar nada comigo?
            Antes de responder-lhe, refleti sobre um problema sério que eu vinha enfrentando: por aquele tempo, na condição de marinheiro-enfermeiro da Marinha de Guerra, servindo a bordo de um navio  contratorpedeiro, o “Paraíba”, eu passava por situação bastante constrangedora no barco por conta da perseguição que me fazia o sargento enfermeiro-chefe do navio. Não foi difícil descobrir a razão dessa perseguição, vez que o motivo se revelou logo no meu primeiro dia a bordo quando me apresentei a ele. O homem, folheando a minha caderneta-registro, que é uma espécie de diário ou histórico de tudo o que vai acontecendo na carreira do militar, ao ver que o meu conceito de conduta e desempenho era de nível cinco, de excelente, saiu-me com esta:
            — Conceito cinco aqui no “Paraíba”, nem Cristo consegue ter.
            Esta foi a recepção que tive. O homem, ao invés de parabenizar-me pelo conceito máximo que eu tinha, achou-se de me depreciar, e, a partir dali, daquele primeiro dia a bordo, deu início a uma sistemática campanha de perseguição, seja escalando-me para tarefas — maioria delas pesadas — que nada tinham a ver com a minha profissão; seja patrulhando-me a ver se encontrava qualquer falha, pequena que fosse, para humilhar-me frente aos meus colegas de trabalho. O conceito desse chefe era o de nível três, de regular, com a carreira pontilhada de punições disciplinares. Viciado que era em corridas de cavalos, grande parte do seu salário ficava no Jóquei Clube, e a tal ponto que, certa vez, a sua esposa veio a bordo para pedir dinheiro ou mantimentos ao comandante do navio, vez que a pobre mulher não tinha nada em casa para dar de comer aos filhos.  
A campanha contra mim seguia com tal intensidade, que eu já começava a pensar em pedir a minha baixa do serviço ativo, já que trocar de navio era praticamente uma impossibilidade. A Marinha, muito raramente, permitia esse tipo de permuta, ainda mais quando solicitada pelo próprio interessado. As transferência de homens entre navios ou unidades militares, quando aconteciam, originavam-se do que chamavam de “necessidade de serviço”.
Foi aí que, diante daquela pergunta que o Esp me fazia, resolvi testá-lo. Eu tinha uma harmônica de boca, mais conhecida por gaita. Era uma alemã Honner, de chave, mais precisamente, uma Chromonica 270 que eu havia adquirido numa das viagens que fizera ao Exterior.
— Tenho uma gaita-de-boca alemã, da marca Honner, chaveada,  que consegui comprar com muito sacrifício. Se você conseguir transferir-me do “Paraíba” para qualquer outro navio, até mesmo para um rebocador, o instrumento musical será seu.
            Esp explodiu numa gargalhada sinistra:
— Negócio fechado, marinheiro.

            Saí dali, achando graça da presunção daquela entidade. Imagine:  levar as autoridades navais a transferirem um simples marinheiro de um navio para outro, sem estar presente nenhum requisito de necessidade de serviço. O absurdo era tanto que, dois ou três dias depois, eu já nem pensava mais na promessa do Esp. Seguia minha rotina de trabalho a bordo, fazendo esforço extraordinário para não me insurgir contra os abusos que o tal chefe promovia contra mim. 

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