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“As frivolidades cativam os espíritos levianos”.
Sobre o que está escrito neste capítulo no
que se refere às circunstâncias em que me envolvi com o baixo espiritismo,
acredito não ser novidade alguma para a maioria dos leitores o quanto essa
corrente de crença atrai as pessoas. Por isso, tomei a iniciativa de incluir o
tema na obra, não apenas porque fez parte da minha caminhada, mas também para
alertar as pessoas sobre o risco representado por uma das armadilhas que
Satanás usa para aprisionar pessoas e levá-las à perdição espiritual: a arma do
chamado baixo espiritismo. Vamos então à narrativa:
Fazia já algum tempo, dois ou três
meses, que eu não visitava a minha madrinha; por isso, numa certa tarde, quase
ao anoitecer, cheguei à sua morada. Como eu era o que se chama de gente da
casa, entrei pelo quintal com um “Olá! Estou chegando” que gritei lá do portão
e, ao abrir a porta da sala, deparei com um quadro surpreendente: sobre o piso,
forrado com uma espécie de colcha enfeitada com caracteres místicos, uma mulher
estava sentada à moda indígena, daquele jeito de pernas abertas e cruzadas. À
sua volta, algumas pessoas, que presumi serem da vizinhança, conversavam com a
tal mulher.
Assim que aquela figura me viu sob o
umbral da porta, saiu-me com esta:
— Boa noite, marinheiro!
Respondi à saudação e, como não vi a
minha madrinha entre aquelas pessoas, fui direto à cozinha, onde a encontrei,
remexendo em algum petisco no fogão. Depois dos beijos de saudação, fui logo
perguntando:
— Madrinha, a senhora falou sobre
mim com essa mulher que está lá na sala, sentada no chão?
— Não — e, sorrindo com o meu
espanto, vez que, dali da sua cozinha, ela tinha ouvido a saudação da tal mulher
— se ela sabe que você é marinheiro, não fui eu que o disse.
Em seguida, ainda na cozinha, madrinha
passou a contar-me sobre a aquela criatura estranha. Disse que ela estava
ocupando, por locação, um quarto que havia nos fundos do quintal, e que havia
lhe pedido para, vez ou outra, usar a sala da casa, que oferecia maior espaço,
onde ela pretendia receber pessoas que vinham consultar uma entidade espírita
que baixava nela. Para prevenir a curiosidade que possa levar determinados
leitores a buscar algum tipo de aproximação com tal personagem, não vou
declinar aqui o nome da tal entidade. Apenas para facilitar-me no exercício da
escrita, passarei a chamá-lo de Esp, que não tem significado algum.
Segundo a madrinha reportou-me, a
transação com o Esp acontecia da seguinte forma: se a pessoa desejasse um bem
material qualquer ou um acontecimento que lhe favorecesse, oferecia-lhe ou
prometia-lhe um objeto de valor ou até mesmo dinheiro, e ele a atendia.
Impressionado com a adivinhação da
mulher sobre a minha profissão, posto que eu não apresentava nada em mim que me
identificasse como homem do mar, decidi:
— Quero ver isso de perto — eu disse
enquanto saía em direção à sala, onde a mulher dava o seu “show”.
Acerquei-me do grupo e fiquei ali,
assistindo aos diálogos entre a tal entidade Esp e as pessoas. As consultas
corriam assim, em aberto, com todos ouvindo tudo, e alguns dos consulentes nem
se envergonhavam de pedir o mal contra terceiros, tais como produzi-lo em
ex-cônjuges, colegas de trabalho, vizinhos, etc. Foi então que, em certo
momento, a coisa dirigiu-se a mim:
— E você, marujo, não vai trocar
nada comigo?
Antes de responder-lhe, refleti
sobre um problema sério que eu vinha enfrentando: por aquele tempo, na condição
de marinheiro-enfermeiro da Marinha de Guerra, servindo a bordo de um navio contratorpedeiro, o “Paraíba”, eu passava por
situação bastante constrangedora no barco por conta da perseguição que me fazia
o sargento enfermeiro-chefe do navio. Não foi difícil descobrir a razão dessa
perseguição, vez que o motivo se revelou logo no meu primeiro dia a bordo
quando me apresentei a ele. O homem, folheando a minha caderneta-registro, que
é uma espécie de diário ou histórico de tudo o que vai acontecendo na carreira
do militar, ao ver que o meu conceito de conduta e desempenho era de nível
cinco, de excelente, saiu-me com esta:
— Conceito cinco aqui no “Paraíba”,
nem Cristo consegue ter.
Esta foi a recepção que tive. O
homem, ao invés de parabenizar-me pelo conceito máximo que eu tinha, achou-se
de me depreciar, e, a partir dali, daquele primeiro dia a bordo, deu início a
uma sistemática campanha de perseguição, seja escalando-me para tarefas —
maioria delas pesadas — que nada tinham a ver com a minha profissão; seja
patrulhando-me a ver se encontrava qualquer falha, pequena que fosse, para
humilhar-me frente aos meus colegas de trabalho. O conceito desse chefe era o
de nível três, de regular, com a carreira pontilhada de punições disciplinares.
Viciado que era em corridas de cavalos, grande parte do seu salário ficava no
Jóquei Clube, e a tal ponto que, certa vez, a sua esposa veio a bordo para
pedir dinheiro ou mantimentos ao comandante do navio, vez que a pobre mulher
não tinha nada em casa para dar de comer aos filhos.
A campanha contra mim seguia com tal
intensidade, que eu já começava a pensar em pedir a minha baixa do serviço
ativo, já que trocar de navio era praticamente uma impossibilidade. A Marinha,
muito raramente, permitia esse tipo de permuta, ainda mais quando solicitada
pelo próprio interessado. As transferência de homens entre navios ou unidades
militares, quando aconteciam, originavam-se do que chamavam de “necessidade de
serviço”.
Foi aí que, diante daquela pergunta que o Esp
me fazia, resolvi testá-lo. Eu tinha uma harmônica de boca, mais conhecida por
gaita. Era uma alemã Honner, de chave, mais precisamente, uma Chromonica 270
que eu havia adquirido numa das viagens que fizera ao Exterior.
— Tenho uma gaita-de-boca alemã, da marca
Honner, chaveada, que consegui comprar
com muito sacrifício. Se você conseguir transferir-me do “Paraíba” para
qualquer outro navio, até mesmo para um rebocador, o instrumento musical será
seu.
Esp explodiu numa gargalhada
sinistra:
— Negócio fechado, marinheiro.
Saí dali, achando graça da presunção
daquela entidade. Imagine: levar as
autoridades navais a transferirem um simples marinheiro de um navio para outro,
sem estar presente nenhum requisito de necessidade de serviço. O absurdo era
tanto que, dois ou três dias depois, eu já nem pensava mais na promessa do Esp.
Seguia minha rotina de trabalho a bordo, fazendo esforço extraordinário para
não me insurgir contra os abusos que o tal chefe promovia contra mim.
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Cap 4 — ESPIRITISMO — Parte 1 de 2
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